CNH: os fantasmas do exame
Do teste psicológico ao exame final. Saiba como driblar a insegurança e a ansiedade
Texto: Adriana Bernardino
Fotos: Divulgação
(14-11-2006) - Nós sabemos o que vocês fizeram no exame passado e o que poderão fazer no futuro na hora de conquistar a tão sonhada C.N.H. (Carteira Nacional de Habilitação). Ansiedade e medo são sempre os vilões que colaboram justamente para atrair o resultado mais temido: a reprovação.
De acordo com dados da Assessoria de Comunicação do Detran de São Paulo, em outubro deste ano, dos 22.689 candidatos ao exame, 7.454 foram reprovados, 13.503 foram aprovados e 1.718 não compareceram. Embora o Detran não tenha os motivos da reprovação, os mais comuns são erros bobos ocasionados pela insegurança e ansiedade dos futuros motoristas.
“A equipe da auto-escola faz várias recomendações até o último momento. A mais difícil de cumprir é justamente a de manter a serenidade”, diz Mellissa Gonçalves Fonseca, que foi reprovada duas vezes antes de conseguir sua C.N.H.
Para ela, os momentos que antecederam os exames foram muito tensos. “Na van da auto-escola a caminho do local do exame, é inevitável ouvir comentários do tipo ‘minha prima foi reprovada nove vezes’, entre outras histórias que mais parecem lendas urbanas”, lembra.
Por que nossas emoções, em vez de trabalharem a favor, atrapalham-nos justamente nos momentos em que mais precisamos de equilíbrio e tranqüilidade?
Na opinião de Paulo Alves, analista da Arte de Guiar, escola que dá treinamento para pessoas que têm medo de dirigir ou que necessitam de aperfeiçoamento técnico, “ansiedade, medo e insegurança são comuns em pessoas que têm excessiva autocobrança, rigidez e não gostam de se sentirem expostas”.
Flávio Carvalho, de 26 anos, também foi reprovado duas vezes. Para ele, a sensação mais marcante pouco antes do exame foi ver os outros alunos serem reprovados. “Outro momento ruim foi entrar no carro e sentar ao lado do examinador, pois a imagem dos examinadores deixa as pessoas nervosas”.
Apesar de não ser o responsável pelo resultado, a postura de examinador muitas vezes colabora para tranqüilizar ou apavorar de vez o candidato à carteira.
Mellissa conheceu dois perfis diferentes de examinador. “No primeiro exame, era um senhor muito simpático. Logo que eu entrei no carro ele disse para eu me acalmar (estava tremendo) e desejou boa prova. Quando errei as balizas, ele disse: ‘dessa vez não deu. Mas não desista, fica para a próxima’. Na segunda vez, o examinador ficou fora do carro, praticamente gritando as instruções. Na primeira baliza, ouvi um ‘já errou, sai e começa de novo’. Na segunda tentativa, ‘errou outra vez, última chance’. E na terceira tentativa frustrada, ‘desce do carro!’. Ao sair do carro, ouvi um ‘reprovada!’ em alto e bom som”, conta.
Já na terceira tentativa, Mellissa deu mais sorte. “Foi novamente o senhor simpático. Respirei fundo, fiz a baliza e parti para o percurso, etapa à qual eu não tinha chegado até então. Quando estacionei o carro, ele disse que eu tinha sido aprovada e me deu os parabéns! Sem dúvida, um examinador mais amigável tranqüiliza”, diz.
Rodrigo Herrera Silva, de 21 anos, tem más recordações do exame. Depois de ser reprovado duas vezes, ele conta que, além da ansiedade, a postura do examinador não era animadora. “Ele não falou nem ‘bom dia’ quando entrei, não disse nada”, relembra Silva.
Dicas
Além do tratamento especializado – em que são feitos, por exemplo, simulados do exame – a dica para reverter esse quadro emocional é, segundo Alves, “reduzir a autocrítica, o medo de ser reprovado ou a necessidade de ter aprovação do outro. Reprovar não tem nada a ver com nível intelectual ou inteligência. Não se preocupe em se expor. O exame é só a primeira etapa para dirigir, o momento em que podemos errar quantas vezes quisermos”, diz o instrutor.
Confirmando a orientação de Alves, Mellissa conta que autoconfiança fez toda a diferença no caso dela. “Quando me conscientizei de que estava preparada para ser uma motorista habilitada e de que seria capaz de passar no exame, independentemente dos comentários dos outros alunos nervosos ou da postura do examinador, consegui passar”.
Além de não se importar com a opinião ou cara (feia ou não) das outras pessoas, alguns conselhos, dados por quem passou pelo drama da reprovação e, depois, pela felicidade da aprovação, podem ajudar quem está no processo.
“Se estiver se sentindo preparado para fazer o exame, não deixe que nenhum comentário de última hora abale a sua autoconfiança. Se o papo das outras pessoas que estiverem com você nos momentos que antecedem o exame lhe deixar tenso, se desligue da conversa. Preste atenção aos detalhes básicos. Algumas pessoas ficam tão preocupadas em fazer a baliza ou em segurar o carro na subida que acabam esquecendo do cinto de segurança ou da seta”, aconselha Mellissa.
Para Flávio Carvalho, a dica é treinar muito. “A reprovação também me deixou mais experiente. Da terceira vez, fui bem mais tranqüilo”.
“Treine o percurso com o carro da auto-escola ou com seu próprio veículo”, aconselha Rodrigo Herrera Silva.
Quem tem medo do exame psicotécnico?
Ainda que menos assustador do que exame prático, o psicotécnico também tira o sono de muitos candidatos.
Por ser menos comentado e estar envolto em um clima de mistério, ninguém sabe ao certo como e o que é avaliado nesse teste. “Ouvia dizer que quem não passa tem algum tipo de distúrbio. Quando fiz o meu, fiquei superpreocupado em receber um diagnóstico desses”, conta Jonirdes da Costa, hoje motorista de ambulâncias.
Em entrevista exclusiva ao site WebMotors, Márcio Reis Felix de Souza, psicólogo examinador do trânsito, que realiza avaliações psicológicas para a aquisição de C.N.H. no Estado do Rio de Janeiro, esclarece esta e outras dúvidas.
WM –Você pode falar um pouco sobre os porquês e objetivos desse teste?
A avaliação psicológica, prevista no atual Código de Trânsito Brasileiro (CTB) – Lei 9.503 de 23 de setembro de 1997, art 147 § 3º, procura verificar se o candidato à carteira de motorista apresenta os requisitos necessários para que possa dirigir veículos automotores.
WM – Muitas pessoas não sabem em que aspectos serão avaliadas em um teste psicológico. Quais são eles?
A área de atenção e de motricidade são alguns dos fatores avaliados nos candidatos à C.N.H.
WM – Do ponto de vista psicológico, quem pode e quem não pode dirigir?
Baixos resultados nos testes de atenção e de motricidade, áreas que também são avaliadas na parte psicológica, já poderiam ser motivo de contra-indicação no exame, assim como desajustes pessoais e sociais, entre outros fatores.
WM – A despeito desse teste, ainda há muita violência no trânsito; pessoas capazes, por exemplo, de atirar em outras. Tal tendência não deveria ter sido apontada?
A meu ver, a avaliação psicológica de motoristas deveria ser feita de tempos em tempos, devido ao fato de que as pessoas se modificam com o passar dos anos. Quando a pessoa faz avaliação psicológica obrigatória para aquisição de carteira de motorista (também conhecida como avaliação psicotécnica) e apresenta grandes indicativos de agressividade, ela não obtém a aprovação em seu exame. Mas avaliações corriqueiras, acompanhando toda a vida do indivíduo como motorista, encareceriam muito o processo para quem vai renovar seus exames.
WM – É possível mentir nesse tipo de teste?
O examinador do trânsito treinado percebe quando o candidato está faltando com a verdade ou não no momento da avaliação.
WM – Qual é a média de aprovação e reprovação?
O percentual de reprovação gira em torno de 5% a 15% das pessoas avaliadas.
WM – É comum os candidatos ficarem nervosos também antes da realização do teste psicológico? Tal emoção pode interferir decisivamente no resultado?
Sim, pode acontecer de as pessoas ficarem preocupadas com sua avaliação. Mas devemos levar em conta que em outros momentos, em que as pessoas realizam provas no colégio, na faculdade ou então em concursos, também podem ficar um pouco mais tensas, assim como quando vão dirigir seus veículos. A ansiedade é natural no dia-a-dia. Os candidatos devem procurar mecanismos de lidar com ela de maneira que ela não as prejudique.
WM – Ao ser reprovado, o candidato recebe alguma orientação de tratamento? É possível fazer a segunda tentativa?
Devemos desmistificar a noção de que reprovação no exame para obtenção de carteira de motorista seja sinônimo de insanidade mental. Outros elementos como falta de atenção e dificuldade na área motora, por exemplo, também podem contra-indicar alguém. A não aprovação no exame psicotécnico não necessariamente seria indicativa de doença mental.




